Interesse da China por terras produtivas deixa Brasil incomodado.
Alexei Barrionuevo, Em Uruaçu (Brasil)
Quando os chineses vieram à procura de mais soja aqui no ano passado, eles perguntaram a respeito de compra de terras –muitas terras.
As autoridades desta região agrícola não venderiam as centenas de milhares de hectares necessárias. Sem perder o ânimo, os chineses buscaram uma estratégia diferente: fornecer crédito para os produtores rurais e potencialmente triplicar o cultivo de soja aqui, para alimentação de frangos e porcos na China.
“Eles precisam de soja mais do que qualquer outro”, disse Edimilson Santana, um fazendeiro da pequena cidade de Uruaçu, que fica na região Centro-Oeste do país. “Este pode ser um novo início para os produtores rurais daqui.”
O acordo de US$ 7 bilhões assinado no mês passado –para produção de 6 milhões de toneladas de soja por ano– é um dos vários fechados nas últimas semanas, enquanto a China se apressa para assegurar sua segurança alimentar e compensar sua crescente dependência de produtos agrícolas dos Estados Unidos, buscando vastas áreas do interior agrícola da América Latina.
Enquanto o Brasil, Argentina e outros países buscam impor limites às compras de terras produtivas por estrangeiros, os chineses estão buscando controlar mais diretamente a produção, levando o fervor de seu país por autossuficiência agrícola para o exterior.
“Eles estão entrando”, disse Carlo Lovatelli, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais. “Eles estão procurando por terras, procurando por parceiros confiáveis. Mas o que eles gostariam é de poder comandar o show sozinhos.”
Apesar de muitos apreciarem os investimentos, a iniciativa agressiva ocorre enquanto as autoridades brasileiras começam a questionar a “parceria estratégica” com a China, encorajada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os chineses se tornaram tão importantes para a economia do Brasil que o país não pode mais ficar sem eles –e isso é precisamente o que está deixando o Brasil cada vez mais incomodado.
“De uma coisa o mundo pode ter certeza: não tem volta”, disse Lula ao visitar Pequim em 2009.
A China se tornou o maior parceiro comercial do Brasil, comprando volumes cada vez maiores de soja e minério de ferro, e investindo bilhões no setor de energia brasileiro. A demanda ajudou a alimentar um boom econômico aqui que retirou mais de 20 milhões de brasileiros da pobreza extrema e trouxe estabilidade econômica a um país acostumado a crises periódicas.
Mas alguns especialistas dizem que a parceria se transformou em um relacionamento neocolonial clássico, no qual a China tem a vantagem. Quase 84% das exportações do Brasil para a China no ano passado foram de matérias-primas, em comparação a 68% em 2000. Mas aproximadamente 98% das exportações da China para o Brasil são de produtos manufaturados –incluindo os mais recentes carros de baixo preço para a crescente classe média brasileira– que estão minando o setor industrial do Brasil.
“O relacionamento tem sido muito desequilibrado”, disse Rubens Ricupero, um ex-diplomata brasileiro e ex-ministro da Fazenda. “Há uma clara falta de estratégia no lado brasileiro.”
Em sua visita à China no mês passado, a nova presidente do Brasil, Dilma Rousseff, enfatizou a necessidade de venda de produtos de maior valor para a China e de uma reaproximação com os Estados Unidos. “Não é por acaso que há uma espécie de esforço para reavaliar o relacionamento com os Estados Unidos”, disse Paulo Sotero, diretor do Instituto Brasil do Centro Internacional Woodrow Wilson para Acadêmicos. “A China expôs as vulnerabilidades do Brasil mais do que qualquer outro país no mundo.”
As tentativas do China de comprar terras deixaram as autoridades nervosas. Em agosto do ano passado, Luis Inácio Adams, o advogado-geral da União, reinterpretou uma lei de 1971, tornando significativamente mais difícil para os estrangeiros comprarem terras no Brasil. A presidente da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner, seguiu o exemplo no mês passado, enviando ao Congresso uma lei limitando o tamanho e concentração de terras rurais que os estrangeiros podem possuir.
Adams disse que sua decisão não foi resultado direto da compra de terras pela China, mas notou que imensas “aquisições de terras” na América Latina e na África sub-Saara, incluindo a tentativa da China de arrendar em torno de 1 milhão de hectares nas Filipinas, alarmaram as autoridades brasileiras.
“Nada impede que investimentos aconteçam, mas serão regulamentados”, disse Adams.
Um estudo do Banco Mundial, do ano passado, disse que a volatilidade dos preços dos alimentos provocou um aumento das compras em grande escala de terras agrícolas nos países em desenvolvimento, e que a China estava entre um pequeno grupo de países realizando grande parte das compras. Estrangeiros são donos de estimados 11% das terras produtivas na Argentina, segundo a Federação de Agricultura da Argentina. No Brasil, um estudo do governo estimou que os estrangeiros são proprietários de terras equivalentes a aproximadamente 20% do Estado de São Paulo.
Investidores estrangeiros criticaram as restrições. Pelo menos US$ 15 bilhões em projetos agrícolas e de preservação florestal no Brasil foram suspensos desde a imposição de limites pelo governo, segundo a Agroconsult, uma consultoria agrícola brasileira.
“O endurecimento para compra de terras por estrangeiros é realmente um retrocesso para a mentalidade jurássica do nacionalismo contraproducente”, disse Charles Tang, presidente da Câmara de Comércio Brasil-China, dizendo que produtores rurais americanos compraram áreas consideráveis no Brasil nos últimos anos, causando pouco alvoroço.
Em resposta às críticas, o ministro da Agricultura do Brasil disse neste mês que o Brasil poderia começar a arrendar terras para estrangeiros, dadas as barreiras à propriedade.
A própria China não permite a propriedade privada de terras produtivas e alertou os governos locais contra a concessão em grande escala ou arrendamentos a longo prazo para empresas em uma diretriz de 2001. A China também proíbe empresas estrangeiras de comprarem minas e campos de petróleo.
Mas à medida que mais pessoas consomem carne, a China deverá aumentar sua importação de soja, principalmente para ração animal, em mais de 50% até 2020, segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. No mês passado, a Chongqing Grains assinou um acordo de US$ 2,5 bilhões para produção de soja no Estado brasileiro da Bahia. Em outubro do ano passado, um grupo chinês concordou em desenvolver aproximadamente 200 mil hectares de terras agrícolas na Província de Rio Negro, na Argentina.
Em ambos os casos, as autoridades chinesas propuseram a compra de grandes áreas de terras antes das autoridades locais as convencerem a optarem pelos acordos de produção.
“Nós nunca venderemos a terra”, disse Juan Manuel Accatino, o secretário da Produção de Rio Negro.
Brian Willott, um fazendeiro americano que chegou no Brasil em 2003, disse que o interesse chinês pela compra de fazendas não diminuiu. “Em toda parte que você procura uma fazenda eles dizem: ‘nós estamos pensando em vender para os chineses’”, ele disse.
No Estado de Goiás, quase 70% da soja cultivada foi para a China no ano passado, e os chineses pretendem usar aproximadamente 8 milhões de hectares de pastos que não são cultivados há décadas.
“Para eles, quanto mais rápido, melhor”, disse Antônio de Lima, o secretário da Agricultura de Goiás.
Os produtores rurais daqui dizem que compartilham a meta das autoridades chinesas de quebrar o domínio das traders internacionais de commodities agrícolas como Cargill e Archer Daniels Midland.
Mas Tan Lin, um gerente da empresa chinesa envolvida em Goiás, disse que duvida que as empresas chinesas estejam prontas para ocuparem o lugar delas.
“Eu não acho que as empresas chinesas que trabalham aqui já tenham experiência”, disse Tan. Mas “se fosse possível fazer isso, seria bom, é claro”.
Myrna Domit, em São Paulo, Charles Newbery, em Buenos Aires (Argentina), David Barboza, em Xangai (China), e Keith Bradsher, em Hong Kong (China), contribuíram com reportagem.
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