Os custos econômicos da Segunda Guerra Mundia, por Causa::


Um artigo muito bom extraído do blog Causa::

A visão econômico é pouco lembrada por muitos leitores das histórias da Segunda Guerra Mundial, mas um dos pontos essenciais em se tratando de polemologia. Vale a pena ler o trabalho abaixo. O estilo é divertido, tornando light um assunto tão complexo. 

Quando se fala em Segunda Guerra Mundial, sempre se pensa – corretamente – que a derrota dos nazistas significou a eliminação de um enorme problema para toda a humanidade. De fato, essa visão é correta, mas o esforço mundial – talvez a única vez em que a humanidade realmente optou por escolher uma boa causa – teve custos. Os custos morais, conhecemos bem; os humanos, ninguém ignora. Mas e os custos econômicos? Todo mundo sabe que guerra é uma coisa cara, e quanto terá custado a Segunda Mundial?

Existem muitos estudos a respeito. Esse blogueiro fanático por tecnologia nunca foi chegado à economia – apenas o necessário pra poder ler jornal sem se sentir idiota. Entretanto, tentarei, nesse “post” – depois de um mês de férias – levantar algumas questões. Nada de muito complicado, pois se Guido Mantega certamente quebraria a cara caso tentasse falar de couraças sloop e esteiras de alto torque, o redator também pagará mico se tentar aprofundar-se demais.

Agradeço a sugestão do tema à Vânia Grosso, que, aparentemente, perde tempo lendo meus papers de “pesquisador de domingo”. Eu mesmo nunca tinha pensado em visitar esse assunto.

Então, obrigado, Vânia! E divirtam-se todos! Não deixem de visitar o blog, pois irei, como sempre faço, melhorando os recursos de pesquisa, ao longo da semana::

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Afinal, qual foram os custos econômicos da Segunda Guerra Mundial? Numa palavra, apenas? Imensos. Num número? Cinco trilhões de dólares.

Parece muito? E é. Foi calculado pela Universidade de Oxford, em 1986. Em números de 1940, dá uns 288 bilhões de dólares. Em qualquer língua, é um dinheirão.  Mas “enquanto muitos observadores falam sobre o estímulo econômico que resultaram dos gastos da guerra, e os aspectos que dizem respeito à formação do caráter militar de nosso tempo, muitos economistas vêem a guerra como um ônus insuperável para os participantes diretos, bem como os indiretos. Os custos indiretos da guerra envolvem os gastos dos estados envolvidos, dos materiais destruídos e danificados, e os custos sociais da perda de vidas. Ainda que reconheçam esses custos, os economistas, de longa data  têm também reconhecido os impactos adicionais e decorrentes que a guerra teve sobre a vida econômica de participantes e não-participantes.”

O texto acima, extrato de um artigo maior e bastante interessante, que apresenta esse aspecto da Segunda Guerra e levanta questões inusitadas sobre o assunto. Mas vejamos um tópico que todos podemos entender: pensemos nas fotografias e nos documentários. Até hoje, nunca se observou destruição igual (ainda bem!..). A infra-estrutura industrial e urbana da Europa sofreu danos da ordem de 65 por cento (algo como se, em cada cem casas, 65 tivessem sido destruídas ou sofrido algum estrago); no caso da União Soviética, é impossível calcular. Aproximadamente 40 milhões de pessoas perderam a vida, e uns 100 milhões sofreram ferimentos; dentre estes, cerca de 5 milhões ficaram inválidos, de alguma forma. Em resumo: a Europa Ocidental chegou em 8 de maio de 1945 quase falida; a Rússia européia, totalmente arruinada; o Japão, queimado quase até o nível do solo. O mundo tinha muitas feridas para lamber.

Havia também o problema de que a indústria, em todos os países, estava totalmente adaptada para a produção de guerra. As outras áreas, ditas “civis” ou “de tempo de paz” tinham sido reduzidas ao máximo. Basta ver que, nos EUA, entre 1941 e 1946, não foram produzidos automóveis para o mercado civil (apenas por encomenda do governo, para coisas tipo polícia, ambulâncias, ônibus e táxis); a produção de mobiliário ou roupas civis, em alguns países (a Alemanha e a União Soviética, por exemplo) reduziu-se em mais de 80 por cento. Isso tudo constituiu um problema, pois quando a guerra acaba, não se trata apenas de parar de produzir material militar, mas adaptar toda a indústria para um tipo de produção cuja lógica e organização são inteiramente diferentes daquelas adotadas até então. A indústria bélica lança mão de projetos, fabricação e controle de qualidade diferentes dos adotados pela indústria civil. Uma fábrica de eletrônicos (como a Philco, em Filadélfia, ou a Telefunken, de Berlim, vamos dizer) tem, por exemplo, preocupações com o acabamento do produto que a indústria militar não precisa ter. Essa última leva em conta, em seus produtos, principalmente a funcionalidade. O produto não precisa ser bonito, e sua ergonomia tem de estar totalmente articulada com a finalidade de uso. Em tempos de guerra, a indústria bélica também não precisa se preocupar em disputar mercado. Os governos compram tudo; financiamento da produção, cobrança e pagamento de impostos também mudam completamente. Veja-se, por exemplo, os acordos lend-lease (“empréstimo e arrendamento”), inventados por Rooselvelt em 1940, para ajudar a Inglaterra: tudo quanto é tipo de equipamento militar passou a ser entregue aos britânicos com descontos de até 80 por cento no preço final – e financiado. Uma boa parte desses descontos era obtida através da redução nos impostos normalmente cobrados à indústria. Só isso, entretanto, não bastava: os governos tinham de financiar a indústria, e se financiavam emitindo títulos de várias espécies (os mais conhecidos eram os “bônus de guerra”, pagáveis após o fim da guerra  – até o governo brasileiro fez isso…). Isso significa que, depois da guerra, a dívida terá de ser paga. Ou seja: muitos governos (o Reino Unido, por exemplo), acabaram a guerra quebrados.

Este foi um dos motivos (não o único) que levou o Partido Conservador de Churchill a perder a eleição geral de 1945. O que a oposição lá começou a se perguntar é como o Estado cumpriria as promessas feitas à população quando a mobilização geral começou, em 1940 (a tal “finest hour” do verão de 1940). Segundo o governo conservador, depois da guerra aconteceria o advento de um verdadeiro paraíso para as classes trabalhadoras. Na Inglaterra, as promessas do governo colocaram em movimento mudanças sociais profundas, liberando as reinvindicações da sociedade. Essas possibilidades foram sistematizadas em 1941, num documento chamado “Relatório Beveridge” (de William Beveridge, um economista conservador a serviço do Partido Trabalhista). Esse documento analisava as mudanças que teriam de ser implementadas pelo governo, depois da guerra, nos serviços sociais, e concluía que o objetivo dos governantes – independente da coloração política – teria de ser manter o pleno emprego como forma de expandir a economia e financiar a coisa toda. O problema é que, já a partir de 1943, ficou claro que não haveria dinheiro para pagar essas mudanças. John Bull estava com os bolsos vazios.

Se era assim na Grã-Bretanha, imagine-se no resto do mundo. Poucos países ganharam com a guerra, exceto os Estados Unidos. Estes entraram na guerra quando a situação militar estava mais-ou-menos consolidada – a Alemanha tinha sido contida (já tinha perdido a Batalha da Inglaterra e sido detida diante de Moscou) e o Japão, apesar do arranque inicial, era, de fato, um adversário de segunda categoria. A mobilização da sociedade norte-americana já tinha começado, paulatinamente, desde 1939. A conversão da indústria foi feita por via de uma articulação através de comissões de alto nível armadas pela administração Rooselvelt. Foram convocados líderes de classe, tanto capitalistas quanto trabalhadores, e a sociedade foi chamada à luta por via das organizações civis – imprensa, igrejas, escolas, agências de seviços – acenando o governo com o final definitivo da Depressão.

Além disso, os EUA não foram atingidos pelos combates (o que, na guerra moderna, faz enorme diferença) e teve apenas danos periféricos em sua infra-estrutura, como perda de navios mercantes e instalações no ultramar. Uma vantagem pouco conhecida foi o fato de que, como os EUA se mantiveram neutros após o início das hostilidades na Europa, os capitalistas norte-americanos não retiraram seus investimentos da Alemanha imediatamente, e puderam faze-lo de forma planejada. Em muitos casos a retirada foi feita com a anuência dos nazistas. E esses investimentos não eram pequenos.

Um exemplo desse processo é interessante: o gigantesco trust General Motors Co. era dono de 100 por cento da empresa Opel, de Hamburgo. Essa empresa, produtora de veículos civis e máquinas industriais, passou, a partir de 1937, a produzir o caminhão médio “Blitz S“, que se tornou, em 1938, o principal veículo de transporte não-protegido da Wehrmacht (Forças Armadas Alemãs). Em 1939, o governo nazista propôs a aquisição, a médio prazo, de 20000 desses veículos. No ano seguinte, acabou propondo a aquisição do controle da empresa, encerrando a participação dos norte-americanos e a produção de veículos civis. A GM pode, assim, retirar seus capitais da Alemanha antes que os dois países se tornassem inimigos. Aconteceu a mesma coisa com diversas outras empresas – inclusive algumas fábricas de armamento.

Outro ponto crucial foi o fato de que, a partir de 1940, a “City” londrina deixou de ser o ponto de convergência dos capitais excedentes do mundo. Em termos simples, isso quer dizer que o dinheiro gerado pelos investimentos produtivos britânicos era reinvestido e redirecionado por bancos situados em Londres. Essa situação já estava mudando desde a Primeira Guerra Mundial, com Nova Iorque se convertendo no ponto de cruzamento do capital financeiro internacional. Depois de 1940, essa situação mudou em definitivo, e Wall Street transformou-se na “esquina mundial” do dinheiro. Talvez tenha sido esse o grande ganho dos EUA com a guerra: a grana do planeta passou a ter seu pouso em Nova Iorque. Isso significou que, a médio prazo, as fontes de financiamento da economia produtiva em todo o mundo passavam a depender de banqueiros dos EUA. Passou a valer a máxima de que “quem parte e reparte e não fica com a maior parte ou é bobo ou não tem arte” – e todos sabemos que “arte” nunca faltou ao grande capital norte-americano…

Claro que uma situação assim não teria sido possível sem um total acordo das autoridades políticas e econômicas dos EUA, e a anuência – ainda que forçada – dos britânicos e dos “governos no exílio” instalados em Londres (que, na prática, não mandavam nada, mas eram mantidos cuidadosamente com vistas ao pós-guerra). A partir de 1942, quando a vitória dos Aliados tornou-se questão de tempo, Rooselvelt começou a sonhar com o  “mundo de paz” após a guerra, e seus planejadores receberam ordens de pensar em como funcionaria esse mundo. A principal idéia foi que as potências – na época, imaginava-se EUA, Reino Unido (o que incluía Canadá e Austrália) URSS e China – constituiriam uma espécie de “supervisão geral” para a manutenção da paz e dos meios da paz. A base dessa “supervisão” seria as Nações Unidas e seu Conselho de Segurança. Claro que a idéia estava fadada ao fracasso, mas o projeto teve alguns resultados eficazes: um dos principais foi a conferência de Bretton Woods (bucólica cidadezinha no estado norte-americano de New Hampshire), realizada em julho de 1944. Essa conferência (na verdade, foram diversas, realizadas simultaneamente, com a presença de mais de 700 delegados de 44 países) estabeleceu um sistema de gerenciamento econômico internacional, que modelou regras para as relações comerciais e financeiras entre os países centrais e entre estes e periferia econômica do mundo. O resultado foi uma ordem monetária totalmente negociada – e melhor, chancelada por acordos diplomáticos entre Estados teoricamente soberanos. As resoluções do acordo final de Bretton Woods, estabeleceram, debaixo do guarda-chuva da ONU, a criação do Fundo Monetário Internacional (nosso FMI “velho de guerra”) e do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (o BIRD do “faça como eu digo”).

Bretton Woods não foi pouca coisa. Em meados de 1944, estava claro que um dos resultados da guerra era a criação de um enorme excedente de capital, produzido pela atividade econômica ampliada, nos EUA, Canadá e Austrália, e em regiões periféricas (como o Brasil, a Argentina e a África do Sul), e pela retração sem precedentes, nos anos anteriores, do comércio internacional regular. Esse excedente poderia provocar um enorme surto inflacionário, queda da produção e desemprego – este possivelmente agravado pela desmobilização de 25 milhões de combatentes, em todo o Ocidente. No conjunto, algo semelhante à Grande Depressão de 1929. Mas a experiência da Depressão tinha sido bem absorvida, à essa altura.

Na época em que o desastre econômico de 1929 se espalhava, as nações, aferradas ao sistema liberal, imaginaram que a instituição de controles e barreiras comerciais e de medidas gerenciais internas restritivas, tudo somado às “leis naturais do mercado”, acabariam resolvendo a crise. Não resolveram, e trouxeram, adicionalmente, o perigo de rompimento estrutural do sistema. A idéia geral levada a Bretton Woods (relativamente bem-intencionada) pelos economistas e pensadores reformistas, era evitar a repetição da situação observada entre 1930 e 1939. Nesse período, a retração do comércio internacional minou o sistema internacional de pagamentos, aprofundando a crise e criando um círculo vicioso. A política das maiores economias foi “safar-se empobrecendo o vizinho mais fraco”: aumentar tarifas alfandegárias de modo a implementar a competitividade das próprias economias e assim reduzir déficits da balança de pagamentos. Isso teve efeito contrário, a diminuição generalizada do comércio, não só mundial, mas também interno e, por conseqüência, da produção. O desemprego foi massivo. Em 1944, a idéia era que um sistema monetário mundial unificado preveniria uma nova crise.

Outro problema, articulado ao anterior, era a “aterrissagem” da economia de guerra. Em 1919, a reconversão da indústria tinha provocado uma enorme confusão, atenuada pela relativa prosperidade mundial. Não era o caso, então. A destruição generalizada e a situação de agitação social na Europa exigiria investimentos de emergência, o que dificultaria a readaptação do parque industrial.

Dois eventos indicaram o caminho a ser seguido: a Guerra Fria e o Plano Marshall.
A Guerra Fria, iniciada já em 1948, com o bloqueio de Berlim, mostrou que os EUA deveriam continuar no papel de “arsenal da democracia”, apenas reduzindo a escala. Ou seja: em vez de 350.000 aeronaves, 2.500.000 veículos de todos os tipos (inclusive 1.000.000 de caminhões) e 50.000 navios (inclusive 30.000 navios mercantes), passariam a produzir uns 20 por cento disso. Os investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento, principalmente na área de tecnologia e processos não diminuiriam – muito pelo contrário. Os EUA se tornariam o “laboratório do mundo”, tornando-se a “esquina da ciência e da tecnologia”, ao mesmo tempo que a “esquina do dinheiro”. Diversas guerras periféricas, surgidas a partir de 1946, como a Revolução Chinesa, a Coréia, o Oriente Médio e as diversas guerras de descolonização mostraram que seria fértil do jardim da indústria bélica.
O segundo evento foi o Plano Marshall. Trata-se de desdobramento da Doutrina Truman – basicamente, o conjunto de iniciativas dos EUA para conter a expansão do comunismo soviético e das agitações sociais. Oficialmente chamado “Programa de Recuperação Européia”, foi o principal plano dos EUA para a reconstrução dos aliados europeus, inclusive a Grã-Bretanha. O nome extra-oficial vem de George C. Marshall, comandante das Forças Armadas dos EUA durante a guerra e então Secretário de Estado dos Estados Unidos.

O plano de reconstrução foi desenvolvido em uma conferência das nações européias, em julho de 1947. Inicialmente, era previsto que a URSS e seus aliados também seriam convidados, mas o governo soviético avaliou que os acordos propostos pelos EUA significariam um retrocesso nas vantagens obtidas durante a guerra (a URSS teve um enorme desenvolvimento econômico durante o conflito, além de consolidar politicamente, o sistema comunista). Assim, Stalin determinou que nenhum país da esfera soviética estaria presente. O plano permaneceu em operação por quatro anos, a partir da assinatura do protocolo de intenções dos governos. Durante esse período, algo em torno de 13 bilhões de dólares em assistência financeira, técnica e econômica (equivalentes, hoje em dia a uns 150 bilhões de dólares) foram oferecidos aos aliados. A contrapartida foi a criação da Organização Européia de Cooperação e Desenvolvimento, sob supervisão da ONU, e a adesão incondicional ao métodos norte-americanos de organização e gerência.

Esse dinheiro era uma gota no oceano calculado em 1,5 trilhão de dólares, que foi o rendimento, calculado no início dos anos 1950, obtido diretamente pelo sistema econômico dos EUA, com a guerra. O Japão e a Alemanha perderam o status de potências militares, sendo o primeiro ocupado pelos EUA e o segundo dividido em dois Estados, Alemanhas Ocidental e Oriental. A Inglaterra e a França, simplesmente falidas, perderam seus impérios coloniais, e, com estes, foi-se a ordem econômica internacional pré-guerra. Teria início então uma nova fase, com o mundo dividido entre o capitalismo e o comunismo, num embate ideólogico e econômico entre americanos e soviéticos, que persistiria por mais de quatro décadas.

Tangencialmente, Canadá e Austrália também ganharam com a guerra, visto que boa parte do que restava do capital disponível em circulação no Império Britânico foi transferida para esses países. É bem conhecida a “mudança de endereço” dos ativos do Banco da Inglaterra para o Canadá, em 1940, e suas conseqüências. Esse país, formalmente membro da Comunidade Britânica, saiu da guerra como a quarta potência econômica do mundo, recebendo inclusive parte das indústrias e trabalhadores especializados que não puderam permanecer na Inglaterra, em função da luta contra a Alemanha.

Em menor escala, a Austrália também foi afetada positivamente, embora fortemente afetada pela interrupção das comunicações com a Europa (o mesmo se deu com a Nova Zelândia) e pela guerra no Pacífico, contra o Japão. Esses dois países passaram, a partir de 1942, a constituir uma das duas retaguardas das operações contra o Império Nipônico, o que significou que passaram a ser amplamente subsidiados pelos EUA. Embora tenham contribuído com o esforço de guerra de maneira considerável, como o Canadá, não chegaram a ter grandes prejuízos, pois os combates ficaram longe de seus territórios. O problema é que foram todos bastante afetados pela participação no esforço de guerra britânico, já que, em teoria, constituíam um único organismo político, e estavam obrigados por acordos que remontavam ao final do século XIX, a colaborar ativamente na defesa das Ilhas Britânicas e do Império. Basta dizer que um terço dos efetivos das forças armadas britânicas era constituído por naturais do Canadá. Ainda assim, a economia canadense, muito afetada pela Grande Depressão – era fornecedora de matérias-primas, alimentos e insumos para a Grã-Bretanha – recuperou-se com a guerra, embora tenha se tornado, no processo, ainda mais dependente dos EUA do que era da “velha Albion”.

A periferia, para variar, não ganhou nada com a guerra. Países como Argentina, Uruguai, Brasil e África do Sul acumularam enormes créditos com os países centrais – inclusive os EUA -, dinheiro que poderia ter sido aplicados no desenvolvimento sócio-econômico dessas regiões. A Argentina tinha aproximadamente 2 bilhões de dólares em ativos, e a enorme vantagem de que esses ativos estavam, em grande parte, disponíveis, pois o país conseguiu ficar neutro durante quase toda a guerra, vendendo matérias-primas e alimentos tanto para os EUA quanto para a Grã-Bretanha, e recebendo investimentos e “dinheiro fugido” da Alemanha. Um plano de desenvolvimento mal-elaborado e a megalomania de Juan Domingo Perón, que pretendia tornar o país uma potência regional, acabaram com grana em menos de vinte anos (o que confirma outra máxima: “o tolo e seu dinheiro logo se separam”). Perón e seus sucessores tiveram a fantasia de estabelecer uma indústria local de armamento, e contrataram engenheiros alemães, nazistas irrecuperáveis, que não se mostravam dispostos a trabalhar nem mesmo para o Ocidente. No caso do Brasil, pode-se dizer, com certeza, que o país foi vergonhasamente tungado por seu aliado. “O tratamento com o Brasil, no pós-guerra, foi muito injusto. Não tivemos ressarcimento dos ônus impostos pela guerra por termos sido excluídos da Conferência de Reparações de Guerra, em Paris, conforme nos estava assegurado pelos Acordos de YALTA e POTSDAM.” O alinhamento automático aos EUA, a partir de 1947, representado pela adesão incondicional ao “sistema panamericano” (outro desdobramento da “doutrina Truman”), viria a render mais problemas que vantagens. “Não recebemos bens de capital para o nosso desenvolvimento, a fim de sair da economia de guerra para a de paz sem grande descompasso.” Mais do que isso, fomos chamados a “colaborar” na reconstrução da Europa (!!!), gastando nossos créditos em bens de consumo da renascida indústria deles (automóveis Citroën, Renault “rabo-quente” e Morris, relógios e máquinas fotográficas feitas na Alemanha Ocidental e máquinas de costura italianas) e bugigangas, muitas bugigangas de “matéria plástica”, que pelo menos renderam muita gozação.
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